Conteúdo digital vai acelerar democratização da comunicação, diz pesquisador
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De passagem por Porto Alegre na semana passada, onde integrou o comitê especial de avaliação das propostas do Programa Arranjos Produtivos Gaúchos, a convite da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), o pesquisador Juliano Maurício de Carvalho acredita que o aumento dos investimentos em conteúdos tecnológicos vai acelerar a democratização da cultura e da comunicação no Brasil. Especialista em cultura digital, o professor afirmou que uma pulverização em larga escala atingirá setores que historicamente estão à margem do uso das novas ferramentas tecnológicas.
Carvalho é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp) e conselheiro do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Ele também é diretor de Relações Institucionais do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e se especializou na Europa em Digitalização e Indústrias Criativas (Universidade de Sevilha, Espanha) e Televisão Digital (Universidad Carlos III de Madrid, Espanha).
Em entrevista na sexta-feira (28), o professor falou sobre o edital de arranjos produtivos da Fapergs, que prevê investimentos de R$ 7,7 milhões em um centro de produção de conteúdos digitais e o potencial do Brasil para se tornar um pólo tecnológico. Além disso, enfatizou a importância da televisão digital como ferramenta de inclusão social e destacou que, apesar de agregar novos atores ao processo, a descentralização da comunicação ainda está distante no Brasil. Os conteúdos digitais envolvem as áreas de cinema, televisão, computadores, smartphones, tablets, jogos eletrônicos e outras mídias eletrônicas.
Leia a entrevista:
- Qual a importância de incentivar a produção de conteúdos digitais criativos em um mundo cada vez mais interconectado?
Apostar nos arranjos produtivos locais responde a duas grandes perspectivas do mundo contemporâneo. A primeira, apostar na capilaridade do processo produtivo. A segunda, possibilitar a existência de produção independente, de outros agentes e outros atores dentro da cadeia do audiovisual.
- O Ministério das Comunicações incentiva as pesquisas no setor para melhorar a posição do Brasil no mercado global. Como está o País em relação ao resto do mundo? O Brasil tem potencial para ser um pólo de conteúdo digital?
O cenário das indústrias e da economia criativa tem desafiado os países em desenvolvimento a exercer outro tipo de protagonismo. No cenário global, o Brasil tem muito a competir por uma singularidade específica da nossa tradição latina e do processo de miscigenação vivido aqui, o nosso traço criativo. A capacidade de produzir e de inovar com criatividade na área artística, da indústria e da comunicação, coloca o Brasil em uma dianteira.
- De que forma o conteúdo digital, especialmente no caso da TV Digital, pode ser utilizado como ferramenta de inclusão social?
Seja com tablets, smartphones ou rádio digital, se você tiver uma pulverização em larga escala, todas as ferramentas atingirão os setores que historicamente estão à margem do uso destas tecnologias. O grande benefício dos arranjos produtivos locais é que todos os consumidores de conteúdo digital são potenciais criadores, potenciais desenvolvedores. Portanto, o conceito de capilaridade com as indústrias criativas vai nos proporcionar aquilo que é o grande sonho: democratizar a cultura e a comunicação. Produzir conteúdo de todos para todos.
- Até que ponto o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) representa a democratização da comunicação e pode acabar com o domínio de grandes empresas que controlam a mídia?
Não acredito que a transposição do modelo padrão de sistema analógico para o digital dê conta de democratizar a comunicação no modelo atual de regulação da área. Ele pode contribuir por criar um diálogo de convergência digital e por possibilitar a entrada de produções independentes e outros atores no processo. Mas ainda estamos distantes disso. Diria que é uma utopia se imaginarmos uma democracia com a concentração de mídia que temos hoje no País. Precisamos rever a regulação da mídia, imaginar que a comunicação tem papel democrático fundamental. Para isso, é preciso ter participação da sociedade e oxigenação com outras experiências. Mais cedo ou mais tarde, o Brasil precisa passar por este processo.
- Qual o destino da televisão analógica depois que a TV Digital estiver completamente instalada no País?
Se você pensar apenas do ponto de vista técnico, trata-se apenas de uma migração técnica, a mudança de uma frequência para outra. Deixamos de usar uma faixa para utilizar outra. No entanto, a expectativa em torno do conceito de televisão digital é enorme. Além da qualidade do sinal, da recepção, de poder sintonizar no celular, de possibilitar multiprogramação e um som de mais qualidade, o maior avanço é integrar efetivamente a televisão com outras plataformas interativas. Por conta disso, criaremos o acesso a serviços para que a população possa usufruir. A perspectiva da conectividade, da televisão para além do entretenimento, pode levar a outro tipo de cidadania.
- Qual será o futuro da mídia impressa com a agilidade e a multimidialidade proporcionada pela Internet?
Penso que a experiência da aquisição que a Amazon fez recentemente (o fundador, Jeff Bezos, concluiu esta semana a compra do The Washington Post, por US$ 250 milhões) mostra que o mercado do jornalismo está sofrendo uma grande migração. Primeiro, no seu processo de produção. Segundo, na forma como ele se relaciona com o público consumidor. O modelo de negócio está em crise, mas não somente na mídia impressa. Ocorre de um modo geral no mercado da comunicação. O mundo digital desafia uma nova forma de pensar a produção de conteúdo. Além de denotar outro modelo de sustentabilidade, os arranjos produtivos locais formarão a economia criativa como um todo. A tendência do mundo capilarizado é da desconcentração. O mercado impresso sofrerá essa migração. Ninguém ousa dizer que não teremos mais produtos impressos de boa qualidade e que os jornalões deixarão de existir. Entendo, sim, que existe uma nova geração, notadamente na faixa dos 15 aos 25 anos, que consome muita informação por outros dispositivos que não o papel.
Texto e foto: Gonçalo Valduga